Abriu a porta, e como disse Zeca, a rua tava ali. Sentou um tempo na soleira da porta. Não tinha quase nenhum carro na rua a essa hora, pouco antes do amanhecer. Não tinha muito o que ver ali fora, também. Fechou o casaco e apertou os dedos na alça da mochila gasta. Saiu. Andando, assim, a esmo. Caíam lágrimas, rolando sem pudor, já que não havia ninguém para recriminar tão primário sofrimento. Nem se incomodava em enxugá-las, deixava que descessem até sua camisa gasta, dentro do casaco semi fechado. Andou, andou. Chegou até a praia. Jogou a mochila na areia fofa, tirou os tênis, subiu a barra da calça e colocou os pés nas ondas. Enxuga o pranto, vai amanhecer. Sentiu a areia colando nos seus pés molhados. O sol tava surgindo, o dia tava amanhecendo e ninguém reparou. As lágrimas searam no seu rosto. Subiu a ladeira que separava a praia da cidade e já viu alguns carros circulando nas avenidas ainda pouco movimentadas. O celular vibrava no bolso, mas optou por fingir não sentir. Quem dera dosse só aquilo que conseguia fingir não sentir. Arrastou os pés pelas calçadas desprovidas de pedestres, esperando saber onde queria chegar. Há muito não sabia, e não sabê-lo angustiava-lhe a alma. Parou no ponto de ônibus mais próximo e sentou-se em uma das três cadeiras. Um ônibus apareceu ao longe. Não conseguia ler o que dizia o letreiro que indicava pra onde ele ia, mas prosseguiu sua jornada a lugar nenhum entrando no ônibus, tão desconhecido quanto vazio. Vazio era ele, vazio era ela. Vazio que consome, vazio que não preenche. Vazio que se abre, vazio que não enche. Vazio. O ônibus que levava só aquele sentimento, só aquela hora. Chegou onde não queria e desceu. A estação seguinte era a estação própria, mas até mesmo o amor cansou de sofrer. Viu-se sem saída, e optou por ficar. Mas ficar onde? Ficar em paz consigo. O dia estava amanhecendo e eu não vou beijar seus lábios quando você se for.
Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi
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