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Mostrando postagens de 2013

Mas Nem Toda História É Nossa Obrigação

Várias pontas soltas. Parar pra pensar nas coisas inacabadas, no "e se...". Tantas coisas que ficaram pelo meio do caminho, atordoadas, sem ar. Foco no casal, discutindo. Ela pede perdão. Pede pra voltar. Ele recusa, e a deixa chorando, ali, parada, sofrendo. Ela errou. Ele estava certo. A partir daí, as coisas nunca mais foram as mesmas. Desfoque. Foco na menina, chorando. Devendo explicações. Pra ela e pro mundo. Por que, Deus, por que teve que fazer aquilo? Por que tinha que ser sempre tão obtusa? E causava sua própria desgraça, se enche de dor e se esconde debaixo das cobertas. Desfoque. Foco no novo casal, que a irritava. Por que não ter o que queria tinha que ser tão doloroso? Desfoque. Foco na escola, tão borrada. Tão distante da lousa, da aula incrivelmente soporífera de química, e da vida. Estava tudo indo embora tão depressa. Desfoque. Foco no copo de vodka, na garrafa de cerveja, na menina vomitando, em tudo indo bem e indo mal. Foco na praia, no homem se

Baby, We Both Know

... That nights are made for saying things that you can't say tomorrow day Acordou, com a face iluminada pelo sol do meio dia. Já acordou irritada. Magoada por que o sol tinha que nascer, aquele sol causticante, que lhe beijava os cabelos quando andava na rua, aquele sol irritante que lhe lambia os olhos quando corria na praça. A noite era tão mais bela. Carregava coisas que o sol não podia levar. Levava pra longe, bem longe, a vergonha da luz do dia. A noite era tão linda, pena que finda. Descobriu, posteriormente, que dormiu pouco menos de vinte minutos. A noite, dessa vez, lhe pareceu borrada. Borrada de mal entendidos. Por que, Deus, tinha que ter uma boca tão grande quando bêbada? Por que sempre bebia como se não houvesse amanhã? O problema, como sempre, é o que o amanhã sempre chega. E quando chega, inunda a burra que não mais está bêbada, de sentimentos adversos e diversos sobre si mesma. Ah, como seria fácil se pudesse apenas passar uma borracha na cabeça dos outros tamb

Descritivo, Pouco Argumentativo, Aumentativo, Porém, Com Amor

Branca, com grandes janelas de vidro e pé direito alto. Janelas que eram quase do tamanho de portas. Jardim frontal, com grandes margaridas e vasos enormes com rosas vermelhas. Havia um portão igualmente branco, que separava a casa de pé direito alto da rua. Porta adentro, um grande hall de entrada, com alguns quadros pintados por ele e emoldurados belamente, e um par de poltronas de chemise vermelho sangue. Ao entrar na sala, não havia televisão. Havia um armário, que pelos moradores da casa, era conhecido por ser um armário de jogos de tabuleiro. Desde banco imobiliário, até baralhos. Era onde a família se reunia pra jogar, todas as noites. Haviam duas poltronas e um sofá igualmente vermelhos, e uma mesinha de centro de madeira escura. No canto da sala, havia uma janela muito grande, e uma estante, lotada de livros. Uma das muitas que ocupavam os cômodos da casa. Na janela, um parapeito estofado para sentar e ler. A filha mais nova do casal sentava lá por horas e folheava livros lota

Jantar Pra Um, Por Favor

Todas as luzes apagaram. O silêncio quase reinava, se não fosse pelas buzinas na rua e os sussurros em seu ouvido. Belos sussurros, aliás. Há muito não paravam apenas pra os dois, paravam o mundo, paravam a vida. Só existiam os dois. Então, como o planejado, Elvis começa a tocar. Remete-a a tempos simples, tempos que eles eram só amigos e ele cantando aquela música, despreocupadamente no carro, enquanto dava carona pra que ela fosse pra o cursinho, cativou-a. E como disse, sabiamente, o tal do Pequeno Príncipe, nos tornamos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. Não que ela esperasse que ele levasse a sério, até por que ele não fazia ideia de que a havia cativado. Mas aquela música, naquele momento, pareceu-lhe perfeita. Tudo se enquadrou tão perfeitamente, os braços se encaixaram, e dançaram, lentamente. Ao som da voz encantadora daquele homem encantador, e ao som dos sussurros de amor. São os melhores sussurros, sempre. Sentaram-se pra comer, como se fosse a última vez.

Estupro

Foi estuprada. E estava tão perdida, tão sozinha. Não sabia como seguir. Correu pra o hospital mais próximo, mas este quis violentá-la mais uma vez. Quis abrir suas pernas e coletar amostras. Não queria mais ninguém entre suas pernas. Não queria conversar, queria se esconder, queria ficar dentro de si pra sempre. Sentia dor, mas esta ia além da física. Sentia a força com que ele segurara seus braços. Sentia a força com que ele penetrara, sem amor, com vontade. Lembrava da mão sob sua boca, tapando-a. Lembrava de cada gesto detalhadamente, com horror. Horror de continuar vivendo, disso poder estar acontecendo de novo. Sentia nojo de si, nojo dele, nojo. Ojeriza. Sentia até o sangue sendo bombeado freneticamente pra fora do seu coração, como se quisesse ficar vazia e cheia ao mesmo tempo. Como se corresse contra o tempo. Não havia mais lugar seguro, agora. Sentia medo. De voltar pra casa, e encarar a todos, fingindo estar tudo bem. Não estava tudo bem. Não podia guardar esse segredo, mas

Só De Passagem

Há muito, parecia estar só de passagem no mundo. Fazia, todo dia, sempre igual. Estudava, cozinhava, lavava a louça, e estudava. Não lhe agradava o ritual, mas mandavam-no. Mandavam-no ser máquina e homem, sempre atarefado e insatisfeito, sempre do jeito que era obrigado a ser, com vontade de ser o que era de fato. Sua válvula de escape era o desenho. Por muitos anos, faltaram-lhe as ferramentas mais básicas para fazê-lo. E perdia-se no lápis e no papel. Em seus últimos anos na escola, sempre assombrava-lhe a pergunta do que queria ser quando crescer. Não sabia dizer, por que era gente, mas ninguém o havia ensinado a querer. Ao longo da vida, cresceu-lhe uma crosta de coisas não ditas, pudores vencidos, medos profundos, viagens não feitas, e obrigações. Crosta dura, essa. Dura demais pra um homem menino que não havia nem alcançado a maioridade penal. Se transformou em uma pessoa fechada e levemente mau humorada, que não partilhava do seu íntimo com ninguém, nem com o desfile de namorad

Sobre Quem Eu Sou

Esses anos todos, nunca soube muito bem sobre quem eu sou. Escritora? Cidadã? Alguém? Até então, não sei. E não sei se um dia saberei. Mas se tem algo que sei sobre mim mesma é que não sou feliz. Não é por escolha, veja bem. Só não sou. Eu tento. Tento, pode demais, socializar. Tento não encher a alma de angústia e sofrimento, e consigo, algumas vezes, por alguns instantes. Só que não sou. É triste pra os outros verem quando alguém é infeliz. A grande coisa da vida é que ela se repete. Detesto rotina. As mesmas coisas maçantes que me incomodam se repetem todos os dias, todos os dias. Não é questão de resistir à elas, eu só tento subir na maré e ir levando. E tem dias que isso é tão insuportável que cansa. Cansa existir. Cansa viver. Recentemente, fui praticamente privada do meu namorado. Uma das únicas coisas de feliz que eu tenho pra esperar. Uma das poucas pessoas que a vida me deixou, nesse vaivém de aviões e abraços quebrados. E agora a vida me tirou, aos pouquinhos. Me disseram pr

Eu, Aflito E Só

É, morena, tá tudo bem. Está? Caramba, parece que esse ano tá se arrastando. Se arrastando... Bem devagar. Queria muito ver o fim desse dia, desse mês, desse ano. A começar pela minha reprovação. Que porcaria que é conviver diariamente com pessoas que praticamente nada tem a ver com você. Que porcaria é arrastar o ensino médio por mais um ano. Que porcaria que é se arrastar da cama, todos os dias, sem um propósito, sem uma vontade, sem um por quê. Sem. Só querendo passar por mais um dia, mais um dia pra morrer, mais um dia pra viver. Como disse Marcelo Camelo, é como se a alegria recolhesse a mão pra não me alcançar. E a cada dia, o dia consegue ser pior. Não importa o quanto eu diga pra mim mesma que vai ficar tudo bem, que vai tudo se resolver, que eu vou conseguir resolver tudo, parece que, por mais que eu tente resolver, tudo se embaralha mais. Nem lendo e vivendo na vida de outra pessoa eu consigo deixar isso de lado. Me consome de dentro pra fora. E de fora pra dentro. Parece que

When I Put My Finger On Your Trigger

“Happiness is a warm gun” Puxou o gatilho. Rompantes de alegria esborratavam pelas suas têmporas. A arma quente, o corpo no chão. Jorrando sangue. Jorrando, jorrando, jorrando. Deixou-o esvaziar. E saiu dali, satisfeito consigo. Sabia que esse sentimento de realização seria tão passageiro quanto sempre fora. Umas duas horas, no máximo, e depois estaria pronto pra encontrar mais alguém a quem perseguir. Não era um perseguidor. Não se via como um assassino. Não se via como nada. Gostava de ver o sangue jorrar, sempre certo de pra onde ia, mas deveras incerto de pra que servia. Mantivera pessoas vivas por dias, só para assisti-las sangrar aos pouquinhos, cada dia mais, cada dia mais. Era razoavelmente bonito, sedutor. Mulheres eram presas fáceis. Sua orgia de sangue era sempre completa, mas sempre necessitava de mais. Sentia-se mal, por vezes. Medo de ser pego. Mas nunca era. E sabe como dizem, happiness is a warm gun.

Sem Propósito

Alguém aí? Alguém pra ler? Alguém que não esteja dormindo, esteja interessado e entediado? Pois bem, a quem interessar: Alguém já se sentiu entediado com a vida? Como se ela parasse e estagnasse, visse o tempo passar, e só as mesmas coisas se repetissem, continuamente, em um círculo sem fim e sem começo de tédio e falta de propósito. Não? Nunca se sentiu assim? Então me deixa explicar: é como se você fizesse tudo igual todo dia, sem parar, sem pausa, sem intervalo. Mesmo que esses existam, compridos ou não, sempre parece que você não tem pausa, que recomeça de onde parou, e que nunca vai parar de verdade. Dormir não é recarregar as baterias, por que você está sempre na massacrante atividade de ser e respirar, respirar e expirar. Expirar a validade, o prazo, a noite, o tempo, a vida. Tudo expira, menos o labor diário (e com a sensação de prolongada inutilidade, você também não). Suspiro. Cansada sem ter com o que cansar, cansada de pensar, cansada de viver. Por que não pode ser um pou

The Only One That's Really Judging You Is Yourself

“The only one that’s really judging you is yourself, nobody else, nobody else” Fechou as portas com um baque absurdamente forte. Pegou a mala de cima da cômoda ridiculamente alta, e atirou-a com força na cama, provocando um outro estrondo de proporções semelhantes ao primeiro. Uma semana. Uma longa semana em um hotel distante de tudo e de todos, sem recepção de celular, sem internet, sem outras pessoas com quem pudesse conversar além da família. Família. Não gostava de como soava. Quando foi que passou a ter uma família? Um tempo atrás família era só seu pai, sua mãe e sua irmã mais nova. Agora tinha uma esposa particularmente bonita, porém mais vazia que um saco plástico. E duas crianças, que berravam o dia inteiro. O dia inteiro, todo dia, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Saía do maldito escritório, esperando cinco minutos de silêncio, e quando menos esperava, era pego pela batalha diária de fazer os pirralhos deglutirem os vegetais, pelos telefonemas histéricos