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As Deep As The Pacific Ocean

O ano de dois mil e vinte e dois começou com sabor de picolé caseiro de acerola. 

Ultimamente, começou a sentir como se fosse primeira vez e também replay os sabores que a existência lhe podia proporcionar. Tudo tinha cheiro e gosto e um brilho diferente de vida.

Podia sentir a mudança circulando em si, e nunca jamais pensou que poderia estar ali. Se a Bianca que foi aos quinze anos pudesse saber, sentir, e prever que não ia precisar e nem querer mais se esconder dentro de si, em recôncavo profundo e escuro, talvez ela não tivesse que ter reaprendido tudo sobre si antes de entender quem ela realmente era. 

Nos últimos meses os pesos da existência estavam sendo retirados das suas costas cansadas e marcadas de dor. Nos últimos meses ela estava sendo apresentada a uma nova versão dela mesma. A uma versão que não sente gosto de sangue na boca quando se mostra pra alguém. Uma versão que não precisa forçar nada em lugar nenhum, que não precisa se mutilar pra caber, que não precisa se encapsular em uma narração diet de si mesma pra se adequar ao olhar do outro.

O desapego do controle, o desapego da verdade alheia, a sensação gostosa de ser cada dia mais e também mais honesta com quem eu sou.

Os questionamentos não calaram, e nunca vão calar, mas não precisar estar vinte e quatro horas em estado de alerta sobre si mesma, sobressaltada com as interações, com medo de descobrirem que na verdade, lá dentro, não tem nada o que temer sobre mim: sou manteiga derretida no pão quentinho.

Não calaram, mas são outros. Tudo diferente! Porém, como dizia Hilda Hilst: tu não te moves de ti. 

Eu não me movo de mim, mas dentro de mim tem o desconhecido, Hilda, que estou desbravando e movendo e explodindo e esbanjando.

Eu não me temo mais.

Acolher meus tempos, minhas tempestades, meus turbilhões: receber o pior e melhor de mim sem medo e aprender a lidar e aceitar. Me perceber aconchego, morada e lar dentro da pele que habito. Me perceber conforto. 

Não temer as possibilidades e multiplicidades e as delícias e todas as coisas da vida que fazem tudo valer a pena e ter sentido significado nas entranhas de mim e na viagem maluca do viver.

Essas descobertas tinham gosto de carambola direto do pé, de suco de goiaba gelado, de sorvete de gorgonzola, de sopro de mundo; se ela soubesse do acalanto que era se encontrar, teria tentado se esbarrar nela mais vezes antes de estar mais perto dos trinta do que dos vinte.

Sentia-se adolescendo tudo de novo, repercebendo o mundo que rodeia e assusta e tudo é novo tudo é possibilidade tudo é sensação tudo é aquilo que ela não teve direito antes.

O que não tem espaço dentro de mim é aquilo que não permito fazer morada. Por mais brega que possa soar, o retro gosto era aquele que ela sempre achou que jamais iria acontecer, por que jamais achou que poderia não pensar em ser e ser. Era retro gosto de liberdade. Que nem um passarinho que aprendeu a voar nas marés tortuosas que não precisam ser tão tortuosas do sentir.

Tudo parece ter novo gosto e nova cor por que por mais que as cenas se repitam eu não me repito mais. Eu sou eu, mas também sou infinitas outras coisas. Não me filtro, não me caibo e eu sou realmente tudo isso aqui.

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