No chuveiro, eu vejo a cor se esvaindo do meu cabelo. O azul vai indo embora. Talvez dando lugar pra uma cor mais adulta. Talvez dando lugar pra um outro eu. Talvez me dando espaço pra crescer. Mas eu simplesmente não consigo parar de pensar que parte de quem eu sou está indo embora junto com aquela tintura. Parte de quem eu fui. Indo lentamente durante o banho, durante a vida. Essa tintura representa suas memórias, e cada vez que você as abandona, você abandona parte de quem você é ou foi. De quem você deveria ser. Sinto uma sensação ruim quando a tinta desce o ralo, e quando o azul inunda meus pés, escapando lentamente pela tangente, sempre que tem oportunidade, sempre que é dada uma chance. A tinta se vai, e você fica. Sem conteúdo, sem ser você mesma, afinal.
Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi
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