Esfreguei os olhos sofregamente. O sol entrava sorrateiro pela janela entreaberta. A maquiagem do dia anterior estava borrada por toda a face, o batom vermelho manchou o travesseiro, o lápis e o delineador igualmente negros mancharam os lençóis quando ela limpou os olhos neles. Levantou apenas para constatar que era segunda, e que não tinha nenhum motivo para acordar. Escola? Aula? Preferia ficar dormindo, quem sabe para sempre. As lágrimas da noite anterior ainda estavam em mente, a bebida ainda causava dor de cabeça. Vestiu-se mecanicamente. Prendeu o cabelo, lavou o rosto, tomou banho, escovou os dentes, entrou no carro e voltou a dormir. Entorpecida dela mesmo, sob o efeito de uma droga nova, que nem ela sabia dizer qual. Vários meses haviam se passado desde que um cigarro tocara a boca dela pela última vez. Chegando no grande prédio branco e laranja, voltou para o preto. Apesar do uniforme, se destacava. Cabelos negros, cortados curtos. Totalmente maquiada. Dirigiu seu corpo meio morto até a cadeira. Bastava de sê-lo. Levantou abruptamente até o banheiro. Tirou a maquiagem, soltou o cabelo, e se fantasiou de outra pessoa, para ninguém ver.
Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi
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