Gotas grossas manchavam o carpete. Gotas pretas no carpete cinza. Gotas pretas em uma vida cinza. Cinza como o céu, e negra como a previsão que fazia de si. As gotas formavam poças. As poças cresciam com uma velocidade anormal. E a cada gota, algo ia embora. E ia indo, tudo ia se resvalando sem o menor pudor. Tentava segurar a enchente, a grande enchente de poças negras como seu coração. E ele batia. Batia forte contra o peito, mas ela não agüentaria que ele pulasse pra fora. Tinha saído da gaiola vagarosamente, sem que notassem ou apontassem de uma maneira acusatória. Mas fora de lá era frio, e de um frio rascante, pereceu. Pereceu sem querer, e rápido, por que nesse mundo se tem pressa. Mesmo que quisesse aproveitar o momento, já se fora, e como ele mesmo, jamais voltaria. Muito menos da mesma maneira. E com essa bravura breve, mostrou o quanto era sozinho e o quanto era cheio de pesares. Pesares demais pra alguém sustentar, pesares demais para um pobre enjaulado, um pobre animal esquecido.De coisas tolas como o amor, a coisas profundas como a dor, sempre tinha aquela linha tênue que era sua responsabilidade. Uma responsabilidade pesada demais, mas realmente tão pesada que o fazia andar curvado. E essa curvatura proposital mas não exatamente proporcional gerou um estorvo. E esse estorvo pesava. Pesava tanto que ele não sabia como se sentia antes disso. E não sentia mais nada direito no geral. Estava tudo jogado de qualquer maneira em uma caixa esquecida no fundo de um baú antigo e empoeirado, intitulado de perigoso. Perigoso como as gotas que não paravam de jorrar. Perigoso como sentir, como amar. Amar. Era o estorvo mais pesado. Ocupava mais espaço na caixa. Naquela pequena caixa, estufada até o topo com coisas mesquinhas e mundanas como o amor. E no ostracismo dessas emoções, escondia-se coisas próprias e impróprias, alguns impropérios e algumas palavras fortes, coisas acorrentadas de modo a nunca se soltarem ou assolarem a si mesmas, de modo a guardarem essa dança viciante, esse ciclo doloroso, essa decepção constante para si. Mas, de algum modo, crescia e nutria algo de fato grande. Algo que não tinha medo de gritar, não tinha medo do ridículo, não tinha medo de ser, de crescer, expandir e espalhar. E pelo ralo corria, corria, corria. Até, que finalmente, o sofrimento acabou. Acabou-se a dor, o choro, as manchas no carpete, o liquido negro que escorria de seu peito. Tudo cessou da maneira mais inesperada, e dessa maneira inusitada, calou. Calou pra sempre ou momentaneamente, mas calou. Calou de forma insegura, que balançava com o menor dos ventos e com a menor das expectativas. A dor acabou. Mas morreu. Morreu, e não pretende voltar jamais. A completa falta de sentimentos lhe acolhe e arrasta para a escuridão, onde finalmente é seguro. Morreu.
Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi
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