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Na Madrugada Sem Fim

- Vá lá. -
- Mas ele não me quer. -
- Mas vá! - Estava cansada de não fazer exatamente o que queria. Dane-se. Foi lá, decidida, pela oitava vez na noite. Mas a vodka já tinha-lhe subido à cabeça, então fez. Tascou o beijo. Não sabia que horas eram. Sabia que parecia que as coisas do lado de fora estavam entorpecidas. Que estava bom onde estava. Apesar dos inúmeros dedos enfiados no meio, vodkas jogadas na cara, e interrupções de bêbado, foi interessante. O beijo continuou, sem pausas pra conversa. E prosseguiram.
- Você me segura se eu cair? -
- Seguro. -
Andaram pelas tortuosas ruas de paralelepípedo. Tropeçando, mas não caindo de verdade. Isso podia ser entendido como uma metáfora pra sua vida. Tropeçando, mas nunca caindo. Aos tropeços, seguiam. Seguia. Tequila. Dedos entrelaçados. Sentiu falta desse entrelaçar de dedos. Não propriamente dele, mas desse gesto. Gostoso gesto. O grupo de amigos foi expulso de onde estavam por causar desordem. E rindo, foram embora. Que estraga prazeres. Andaram até a pizzaria fechada do amigo. Até os sofás da pousada. Sentaram lá, e exploraram. Voltaram até a pizzaria, com o intuito de jogar. Não deu. O jogo foi brutalmente interrompido por uma indiposição de uma das amigas, e por falta de fichas (o tal jogo era o famoso poker, com o adendo do strip). Voltaram pra casa do amigo, todos juntos, segurando o riso pra não acordaram os hospédes da pousada. Voltaram de mãos entrelaçadas, corpos juntos, mas sem palavras pronunciadas. Chegaram na casa. Enquanto todos se arranjavam pra dormir, ele deitou na rede e ela entrou pra se trocar. Voltou só usando uma calcinha e sua blusa favorita.
- Você vai deitar aqui? -
- Hm. Não sei. -
- Eu quero dormir sozinho. -
- Tá. Não vou dormir aqui. -
- Me bateu um mal estar, um arrependimento de ter ficado com você. Não queria ter ficado com ninguém. -
- E por que você não recusou? -
- Sei lá. -
- Eu já sabia que você não tava afim de mim -
- É. - Estava se sentindo horrorosa. Muito horrorosa. Quem já tinha se arrependido de ficar com ela, e dito assim, na cara dura. Só queria socá-lo. Ao mesmo tempo, queria ficar sentindo aquele cheiro enebriante do perfume dele.
- Você é um babaca. -
- Eu sei. -
- Posso te socar? -
- Tá, mas não no nariz. - Colocou as mãos em volta do nariz. Meteu-lhe um soco no maxilar, mas não usou a força total. Não queria machucar, verdadeiramente. Ou queria? Ainda estava pra decidir.
- Sabe o que é péssimo? Eu quero muito te socar, mas gosto do teu perfume. -
- Eu nem gosto muito dele, é muito comum. -
- Eu gosto. - Ficou lá, deitada, perto do pescoço dele.
- O que eu faço, ein? -
- Sei lá. -
- Sério, po. -
- Não sei. Só não me beije. -
- Não estou beijando. -
- Eu sei. -
Levantou pra tomar água e foi pra o sofá. Ela adormeceu por uma fração de segundo, e ele sentou no sofá. Levantou, com o intuito de ir dividir uma cama lá dentro, com uma das meninas.
- Vou entrar. Vá dormir na rede. - Selinho. Entrou, e ao não encontrar cama disponível, voltou e dormiu no sofá. Cochilou, das sete às oito da manhã. Quando acordou, ele já não estava mais na rede. Levantou, sem rumo, e o encontrou na porta do quarto onde todos dormiam. Murmurou um bom dia inaudível e voltou pra o sofá. Deitada, ainda só de blusão e de calcinha. Maquiagem borrada. Ele passou e parou.
- Praia? - Estava de bermuda e blusa.
- Agora? -
- É. -
- Ok. -
- Tô indo, qualquer coisa me liga. -
- Mas eu não tenho teu número. - E sumiu dentro da casa, decidida a se enfiar na saia da noite anterior, que nada tinha a ver com a blusa que estava vestindo.
- Vai anotar? -
- Me espera, tô indo. -
- Ok. - Depois de uma interminável luta com a saia, saiu, ainda de maquiagem borrada, saia amarrotada, blusa larga, sapatilha sujinha. Andaram em silêncio quase absoluto até a mesa do café, com o barulho dos passos de ambos ecoando fundo. Comeram quase que em silêncio. Ela, no celular, conversando com as amigas sobre o menino que estava na sua frente. Ele, ouvindo música no celular. Ela só tomou um copo de suco de goiaba, sem açúcar.
- Posso tomar um gole? -
- Pode, pode sim. - Terminaram e levantaram. Andaram quase em silêncio, apesar do burburinho da cidade praiana em plena atividade às nove da manhã. Andaram muito, quase sem falar. De vez enquando, soltavam comentários bobos sobre alguma coisa quase irrelevante que estava permeando a presente realidade deles. Sentaram na areia, em certo ponto. Ele começou a estourar as espinhas, e ela se ofereceu pra espremer os cravos.
- Você não acha isso tudo estranho? -
- Isso o quê? -
- Essa situação. -
- Não. - Ela resolveu se atirar no mar. De roupa e tudo. Deixar a água levar, a água levar. A água levou, e eles foram embora. No mesmo silêncio quase sepulcral de antes. No caminho, ela parou pra comprar uma lata de Coca-Cola, e ele ficou sentado esperando. Voltaram pra casa, e ela se trancou no banheiro, afim de um banho demorado. Não tocaram mais no assunto. No resto do dia, assistiu as intimidades dele com outras meninas, mas nada disse. Sentiu, mas controlou. E foda-se isso. Não gostava dessa situação. Não ia esperar por homem. Ia seguir. Quer ele se decidisse ou não, quer ele gostasse dela ou não. Quando foi pra casa naquela noite, estava decidida a isso. Encontrou-o no ônibus, no dia seguinte, voltando pra casa. E ainda estava resoluta. Sempre estava resoluta. Teu texto? Tá aqui. Praxe, essa minha mania de relatar as coisas. Mas só. Fim?

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