Eu devo mais a ti do que eu posso pagar. Devo mais a ti do que a qualquer um. Devo quem eu sou, devo quem eu fui, e devo quem eu vou ser, e gosto de devê-lo. Eu te amo. E a distância me mata, vó. Sempre tive muita inveja de todas as minhas amigas que tem avós que moram do lado. Você escolheu morar do outro lado do mundo e me matar de saudades. Você escolheu sempre ser feliz, e ser sempre minha avó, não importando a besteira que eu tivesse feito daquela vez. Nos meus piores momentos, eu tenho certeza que você estava lá. E que sempre vai estar. Agora, aí em Israel, são quase duas da manhã. Mas eu aposto que se eu precisasse de você nesse instante, e ligasse pra aí, você ainda ia me atender. Com uma puta raiva. Mas ia me atender e ia procurar me entender. Você sempre procurou entender minhas babaquices. Sempre me amou, por mais que eu gritasse, esperneasse e disesse que não queria ir pra sua casa. Encaremos a verdade: eu adorava a sua casa. Aquelas porcelanas, aqueles panos coloridos, os degraus que rangiam, o armário gigante, a cozinha minúscula com aqueles mesmo azulejos quebrados desde sempre, aquele banheiro no final do corredor, a sala que dava pra a rua, a tv que não era a cabo, o armário das suas miniaturas. Todas aquelas vezes que eu acordava cedo e brincava com o fogãozinho e as panelinhas de porcelana, todas as vezes que eu fazia inúmeros espetáculos de dança e teatro pra você e pra o tio Paulo, todas as vezes que eu cozinhava comida de mentirinha, as vezes que você me levava pra o teu atelier, as vezes que você bronqueava comigo, que você me escutava, que contava histórias do seu falecido gato Leo, aquela vez que você me comprou um gato de pelúcia igual ao teu gato, aquelas vezes que você veio aqui pra casa pra me trazer um pouco de você e ir embora logo depois. Queria ter tido mais tempo pra ficar com você, pra que você me conhecesse, pra poder te abraçar, conversar, colocar meus problemas, ouvir os seus. Queria que desse pra gente se conhecer melhor, vó, que a saudade aperta nos piores momentos. Esse vazio que fica, essa vontade de ficar duas horas te abraçando, te dizendo o quanto eu senti sua falta e o quanto eu queria você perto de mim. Eu queria poder te apresentar meus amigos, te mostrar a minha escola, te mostrar os lugares que eu gosto de ir, te levar pra o shopping comigo, ir com você comprar tecidos, inventar roupas, vestir bonecas, escutar mpb, tomar café. E como essa saudade aperta, vó. Eu me lembro de todos os livros que você me deu, de todos os abraços que você achou que eu merecia, mesmo quando eu não merecia, de todas as vezes que eu estava errada, você sabia que eu estava errada, mas mesmo assim me abraçou, e disse que ia ficar bem. Da sua comida. Da sua presença. No meu mural tem uma foto sua, vó. Eu devia ter uns cinco anos, e estava chorando. E você estava dando um beijo na minha bochecha. Acho que essa é a foto mais linda da face da terra. Você me apresentou Harry Potter. Você fazia brincadeiras comigo, e eu dizia que “minha avó é doida”. Minha vó não é mesmo normal. Mas eu acho que se ela fosse, não seria a minha avó. A avó que eu tanto amo, e que eu tanto quero por perto. É uma pena que eu não possa te abraçar e que você não possa dizer “eu estou aqui”. Você é uma das pessoas pelas quais eu me atiraria na frente de uma bala, se eu precisasse fazê-lo. E eu sei que você vai sempre estar aí pra me apoiar e me dar broncas quando eu precisar. Chorar escrevendo esse texto foi a coisa mais egoísta que eu já fiz na minha vida inteira, por que você está feliz, e se você está feliz, eu estou feliz. Quando você puder me dar colo, eu vou querer. Acho que isso é ainda pior do que quando eu pegava o avião de volta pra cá, e assim que eu dava o braço pra a aeromoça e entrava na sala de espera pra voltar pra casa, meu coração apertava, e eu queria chorar. Mas eu nunca chorava. E agora, depois de grande, eu estou chorando que nem uma boba na frente do computador. Eu te amo, Vó.
Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi
tu me fizesse sentir tudo contigo, Bi. coisa linda de se ler, assim, puro e sensível.
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