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She Will Be Loved

“And she will be loved, she will be loved.”

Estava trancada no banheiro, o único cômodo da casa que tinha uma tranca de verdade. Limpou a maquiagem escorrida dos olhos com o dedo e examinou a sujeira. Maquiagem preta. Ela limpou na toalha de rosto branca que estava pendurada em um gancho branco, acima de uma pia de mármore igualmente branca. Revirou no fundo de um armário e pegou uns pacotes de esparadrapo e gaze, uns remédios pra dor de garganta, outros pra dor de cabeça, outros analgésicos, água oxigenada, rifocina, band aids, remédios pra cólica, e uma bolsa de água quente. Jogou tudo isso em uma mala preta, em um compartimento reservado pra coisas desse tipo. Pegou a pasta de dente fechada dentro do armário, e a aberta em cima da pia. Pegou sua escova de cabelos, seu pente, seu shampoo, seu condicionador, dois sabonetes lacrados, e sua escova de dentes. Saiu do banheiro quieta e entrou em seu quarto. Nele, olhou as estantes repletas de livros. Pegou alguns de seus favoritos: Eu Mato, Harry Potter, Memórias de Uma Gueixa, Cem Anos De Solidão, O cortiço, Confie Em Mim, O Último Judeu, Enciclopédia de Seriais Killers, O Mundo De Sofia e por fim, alguns dos livros de Desventuras Em Série. Encheu metade da mala dividida em dois com esses livros e os remédios. Se esta enchesse, tinha outra, e só mais outra, por que era o máximo que ela podia carregar. Apesar de o recomendável fosse que só levasse uma mala. A outra metade foi aberta, e nela, algumas roupas foram despejadas: blusas, shorts, casacos, e bermudas. Acabou de encher essa mala. Cuidadosamente, pegou a outra e a abriu ao lado da outra que se encontrava fechada e pronta para ir. Jogou três pares de tênis, meias, sapatilhas, havaianas, um chapéu, uma capa, algumas outras roupas aleatórias, loção de calamina, repelente de mosquitos, perfume, e alguns hidratantes. Foi-se metade da mala. Abriu a outra metade, e colocou seus CD’s favoritos: Absolution, Brand New Eyes, Another Brick In The Wall, Resistance, Black Ice, RadioActive, Que País É Esse?, Rádio Pirata Ao Vivo, From The Cradle, Idem, Complete, Abbey Road, e um CD só de músicas dos Beatles que ela tinha montado. Eram os únicos que cabiam. No meio de todos aqueles CD’s, ela colocou uma infinidade de canetas. Muitas mesmo, uma caixa de canetas BIC. E colocou todos os cadernos virgens que ela encontrou. Eram dez cadernos virgens, no total. E colocou alguns cadernos usados, mas que eram muito importantes pra ela. Fechou essa mala. Pegou uma mochila e a abriu. Nessa mochila ela despejou toda a comida que deveria ter sido comida por ela durante o semestre. E no bolso, colocou sua maquiagem, o MP4 e o celular, que só seria usado em caso de emergência extrema. Vestiu uma calça que roubou da sua mãe, por que fora ela, só tinha uma calça preta. Colocou uma blusa preta, um casaco por cima, colocou dois pares de meias, um colar, um boné, e colocou os óculos no rosto. Estava praticamente irreconhecível. Levou dois lençóis na mochila, também, caso não encontrasse onde dormir. Levou sua vaca de pelúcia, e seu gato de pelúcia. Estava completamente carregada de coisas, mas a noite era ébria, e ninguém sequer notava uma figura baixa carregando um monte de malas. Era normal por aquelas bandas, de certa forma. E foi caminhando por um caminho bastante deserto, com uma lua relativamente grande e uma lanterna para ajudá-la. Era domingo a noite, e todos estavam absortos nos próprios problemas, como de praxe. Andou até encontrar um ônibus que a levaria pra onde ela queria ir. Pra longe de todos, daqueles que não a queriam, daqueles que ela não queria. Pegara todo o dinheiro da carteira dos dois antes de sair. Tinha duzentos e sete reais e quarenta e cinco centavos. Entrou no ônibus. E na calada da noite, como quem não quer nada, como quem se perde inocentemente e tem medo do escuro, ela se foi, e se foi pra nunca mais voltar a vir. Se foi para longe, pra onde ninguém podia pegá-la por um tempo. Em duas horas, estava na praia. Não tinha uma barraca e não pretendia arranjar uma. Tinha cobertores e um saco de dormir. Montou-se do modo mais arrumado que pôde naquele terreno arenoso e por lá ficou até quando sua comida e água permitiram. De lá, rumou para o eterno desconhecido.

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