Assim que coloquei os pés naquele lugar senti aqueles velhos sentimentos inundando-me lentamente. Medo, solidão, rejeição, ódio, e aquela velha vontade de se matar. Tudo isso começou a crescer no meu âmago. Eu segui em passos largos, em direção à porta que levava-me pra dentro daquele lugar. Encontrei as mesmas crianças correndo, as mesmas pessoas conversando. Dirigi-me até a porta do inferno, a porta azul. E de lá saíram pequenos pesadelos. Minha ânsia de vômito cresceu. Não iria agüentar muito tempo. Então uma figura loira e esguia saiu da sala. Cumprimentou-me e comentou que não gostou de meu batom. – Acho que isso é problema meu, não é mesmo? – Foi a minha resposta à provocação. Ela deu um sorriso amarelo, e esperou sua amiga mais alta ainda sair, com os cabelos castanhos e mal cuidados. Esta, por sua vez, chamou-me de ridícula por causa de minhas roupas e por causa do batom. Segurei as lágrimas que tentavam escapar e dei um sorriso amarelo. Elas seguiram o caminho rindo e eu, completamente cegada pelas provocações, segui-as. Elas praticamente me ignoravam, e eu me sentia cada vez pior. Afundando-me em sentimentos. Eu tive a maldita boa vontade de aparecer naquele maldito inferno e não proferiam nem palavras de saudação. Simplesmente me ignoravam e continuavam fazendo o que quer que estivessem fazendo antes de me notarem ali. Senti-me comprimida. Encontrei uma velha amiga. Conversamos pacificamente. Não temos mais nada em comum. Ela continua tentando se encaixar no esquema deles. Eu continuo tentando fugir, mas parei de me importar, diferente dela. Nossa conversa foi preenchida principalmente com silêncios constrangedores. Resolvo que apesar de não termos muito assunto, ela é uma companhia mais agradável que as de antes, e vou conversando com ela pra perto dos piores tipos de ser humano existente na face da terra. Eles me ignoram. E eu, com um nó na garganta, os ignoro também. Perto do portão tenho outro vislumbre de um rosto conhecido, e quase deixo escapar um sorriso em minha face indiferente e ao mesmo tempo chorosa. Ela me percebe ali, sentada no chão. Boquiaberta, dirige-se a mim, lentamente. Dá um sorriso e me pergunta, brincalhona: - Virou emo, é? – Eu dou um meio sorriso. E tudo foi como se eu nunca tivesse deixado aquele pesadelo. Na verdade, pareceu como se tudo aquilo tivesse sido apenas um sonho ruim, distante agora que eu havia acordado. Ela conversava comigo, era gentil, exatamente como na época que nos conhecemos, muitos anos atrás. Foi ela que me salvou. Ela que me salvou de não estar mais aqui. Indiretamente, ela me salvou de ter perecido antes do tempo. Tenho muito a agradecê-la. Ela nem imagina o quanto. O sonho ruim acabou. Eu me senti alegre por dentro, ao invés de deslocada. E lá se foi aquela velha sensação de medo, solidão, rejeição, ódio e aquela velha vontade de se matar.
Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi
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