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Lua

 As estrelas que tinham nos olhos dela eram infinitas. 

O carinho, o gozo, a partida, a chegada. Todas as coisas eram infinitas, não tinham começo-meio-fim; eram infindas.

A sensação de casa, de conforto, de abrir o baú empoeirado que guardou por tanto tempo os sentimentos. Era caixa de Pandora ao contrário. 

Se aconchegava nos braços desnudos dela como se sempre estivera ali. O sangue que bombeava incessante, os arrepios na nuca, os contorcionismos da boca abrindo e arfando. 

Sentia cada músculo contraindo, sentia cada toque com a intensidade de milhares de voltz, sentia suor escorrendo pela testa, sentia beijo no nariz, no rosto, na boca, no pescoço. 

Nada no passado-futuro sente dessa forma do hoje. E da forma do ontem. E da forma do amanhã.

O sono pesava nos olhos mas a vontade de comprimir o tempo, de descontar os beijos, de ficar ali com ela, lutava com as pálpebras pesadas. 

A dificuldade de levantar da cama de manhã, a dificuldade de fazer coisas mundanas, do dia à dia, quando cercada do enfado quase-magia quase-inacreditável de estar e ser e só, ali, acompanhada dela.

Todo encontro parecia completamente novo e também inteiramente familiar, como se o momento fosse ali mas também fosse ontem e também fosse depois e as linhas ficavam borradas e o fôlego ficava prejudicado, e os lábios ficavam ocupados, e a sensação de pertencer naquele espaço-lugar-pessoa-pele era inédita e também antiga. 

Era um eterno nascer e pôr do sol, cheiro de terra molhada depois de chuva de verão, gosto de rosa neon geladinho e beijo de batom vermelho.

Os olhos dela me olhavam com gentileza nunca antes vista. Gentileza essa que eu tinha recentemente aprendido a me conceder também, e não pelos olhos do outro, pelos meus olhos que a terra há de comer.

O timing das coisas é preciso, corta como faca e dá recado do universo pra lembrar que as coisas acontecem como e quando são possíveis, dentro das possibilidades das que estavam dispostas a acontecer.

O não lugar dos dias e o correr das horas imperceptíveis incontáveis que pareciam pequenas e apressadas pra tudo que era possível e quase possível viver no agora. O impossível não era possibilidade.

Digestões e processos e momentos e explorações do que é factível e sonho em dia. As vezes custava a crer que estava acordada. 

As delicadezas, as miudezas, as sutilezas, os cuidados e os cigarros bolados. 

As saudades matadas que geram um também infindo ciclo de saudades, de beber e embeber. 

O perceber dos encontros furtivos e emocionados e intensos e os desenhos e textos e gramáticas que elas escrevem. As construções conjuntas do que é e do que está sendo e do que mais só elas podem saber.

A delícia de estar e ser e de abraçar e beijar e ficar ali juntinha.

Nas voltas do grande mistério que é a vida, nas liberdades que me e te e nos cercam, rodeiam, não cerceiam, encontrei meu bem.

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