Pular para o conteúdo principal

Don't Hurt Yourself

Acordou de um salto como de costume. Atualmente eram raros os momentos que acordava em paz. À contragosto, levantou da cama já com o twitter aberto no celular pra ler as atrocidades cometidas mais um dia mais uma vez pelo governo genocida ao qual ela e mais milhões de pessoas eram subjugadas todos os dias. 

Lavou o rosto, escovou os dentes e tomou um banho gelado sem lavar os cabelos, ouvindo podcast mas sem conseguir desligar totalmente a cabeça das inseguranças e das ansiedades, que gritavam no fundo da cabeça, como se pedindo pelo amor de deus pra se materializarem e saírem correndo por que nem elas se aguentam mais. Nem elas aguentam mais o loop constante dos mesmos pensamentos das mesmas inseguranças dos mesmos medos girando na cabeça infinitamente que nem uma máquina de lavar quebrada no modo turbo eterno.

Todo dia era dia de nó. Nó no peito, nó no estômago, nó na garganta, nós infindos. 

Enquanto passava o café, repassava e julgava na cabeça as coisas que ela tinha dito num date. Enquanto tomava o café, pensava na hidradenite, na consulta com o endocrinologista, na consulta com a psicanalista, na consulta com a ginecologista. Enquanto lavava a louça, pensava nas aulas que ia começar a dar no emprego novo. 

A cabeça nunca parava, e o jeito mais fácil de silenciar é abafar o barulho, tampar os ouvidos, fingir que não escuta por que não aguenta mais a enxurrada de achismos, o incessante barulho das teclas da sua cabeça freneticamente digitando e tecendo opiniões e sofrendo por antecipação e se sentindo culpada. 

Click. Clack. Click. Clack. Click. Clack. Click clack click clack click clack click clak clik clack CLICK CLACK CLICK CLACK CLICK CLACK CLICK CLACK CLICK CLACK CLICK CLACKCLICKCLACKCLICKCLACKCLICKCLACKCLICKCLACKCLICKCLACKCLICKCLACKCLICKAUDJOHDFFHSFSDCLICKCLACK

Era esse o ruído que sua cabeça fazia todo dia, sem parar. Presa não só em casa, mas dentro de si. Às vezes suspeitava que as inseguranças de adolescente só cresceram e ficaram mais complicadas, e acostumada a temer quase tudo e também quase nada na adolescência, virou uma mulher adulta. 

Tudo veio de algum lugar. E tudo vai pra algum lugar.

Mas precisava urgentemente desligar o cérebro, não pensar, não existir por um diazinho só, viver uma existência hermética e sem graça e sem dor e sem overthinking. 

É pedir demais um dia de paz dentro de mim?

Comentários

  1. ah, um dia de paz dentro de mim: o sonho contemporâneo. que continua sonho até segunda ordem, inclusive. é difícil demais ter paz :(

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Acha Que A Sua Indiferença Vai Acabar Comigo?

Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi

Status: Sendo Seguida Por Um Monte de Corvos

Estava sentada, exatamente as 2:14 da manhã, na frente do seu laptop, esperando um filme que, de forma geral, parecia pouco promissor no quesito crescimento intelectual. Estava se sentindo absolutamente impotente. Aquela mina que chamou pra tomar café ainda não respondera o convite, embora o tivesse feito a um tempo considerável. O filme se recusava a carregar de maneira que pudesse mergulhar no torpor de uma comédia que não requeria que ela se concentrasse e nem que colocasse muito esforço mental nela. O twitter não tinha atualizações, assim como o instagram, o facebook, o whatsapp, a vida. Tudo parecia estático, morto, vivo-morto. Se deu conta que há tempos não escrevia mais do que 140 caracteres. Nada de excepcional e digno de nota aconteceu nas últimas semanas. Alguns conhecidos embarcaram em relacionamentos, outros tantos viajaram, alguns se mudaram... Mas ela permanecia. Sentada na frente do computador, esperando que a máquina, de alguma maneira, cuspisse respostas sobre o estad

Eu Vejo Tudo Enquadrado

 agonia sem nome no peito. coisas que não sabia nome, sabia sentir o sentido dos sentimentos. jorrava sentimentos esparsos e cansados, temerosos. talvez ressentia ter que ficar enjaulada dentro de várias coisa e dentre elas a doença. a cabeça pesava. de peito aberto pra sentimentos que ela arreganhou porteira, pra aquela agonia inominável.  temia que agora que mostrara o pior de si, aquilo assustasse. que estivesse chacoalhando demais o peixe no saquinho, apertando demais o passarinho na mão, até que ele desse o suspiro final. tinha medo de sentir aquela dor outra vez. mesmo sabendo inevitável e que o pra sempre é fantasia de fábula que nos contam na infância.  se mostrava inteira, mas nem sempre o que tinha pra mostrar tinha o glamour do mistério. as vezes, e muitas vezes, era só ela, desnuda, confusa e cansada no fim de mais um dia cheio de pensamentos ansiosos e paranoicos brincando de pingue pongue na cabeça. o desnudar-se deixava ela insegura que estivesse entregando demais e entr