O sentimento era velho, mas parecia novo.
Vou explicar-lhes: já tinha estado ali. Já tinha passado por tudo aquilo algumas vezes no tortuoso caminho da juventude até a idade adulta. Inúmeras vezes durante a puberdade se viu ali. Na idade adulta, menos vezes, mas ainda assim, ali.
Só que daquela vez, era diferente.
As borboletas no estômago estavam ali. Os sorrisos de canto de boca. As provocações. O beijo. Absolutamente tudo estava do jeito que já esteve em outras milhares de vezes, mas a diferença era ela.
Desde a última vez que estivera naquele lugar, apesar do lugar não mudar, ela mudou. Passou por outras e poucas e boas e tudo e nada. Se resgatou do fundo das profundezas de si e se remontou aos poucos.
Vocês sabem o que acontece quando a gente se remonta, né?
Tal qual como Heráclito falou sobre o rio Tigre e Eufrates, nunca nos remontamos do mesmo jeito. Eu explico: não existem duas, três, quatro de mim. Existe eu e eu só, que passou pelas fases da vida, pelas dores do ser, pelas estações do ano. Mas cada dia que passa, a cada reset de mim, eu sou eu, mas sou outra.
E hoje sou outra.
As coisas eram todas lugares comum, repetições de coisas que já se passaram.
Mas a mulher era diferente, e eu também.
E mesmo que as coisas fossem as mesmas e as pessoas fossem diferentes, tudo foi novo, tudo foi diferente, tudo foi excitante, tudo foi claro e nublado como jamais, intoxicante.
O toque, o beijo, a novidade, o ar que se instalou em meus pulmões, as músicas dos anos 80 que entraram na playlist mensal do spotify.
E a novidade de ser tocada, de ser desejada, de ser beijada. Fui transportada pra outra de mim, beijando um menino no sinal da Avenida Salgado Filho, fui transportada pra outra de mim que diz que gosta de alguém sem sentir o peso nos ombros, pra outra de mim que não teme, não deve, não pesa.
Mesmo que eu seja sempre a mesma eu, e que só exista uma de mim, abrigo várias dentro de quem já fui.
E elas gritam, elas me lembram dos meus traumas, das minhas falhas.
Mas também me recordam de não ter medo. Me recordam de que existem coisas que valem a pena, coisas que me fazem sentir mais leve que ar, que me levam pra caminhos diferentes, mesmo que a vida pareça todos os dias um amalgamados de coisas sem sentido: existe sentido em ser e estar e tocar e existir.
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