Afrouxou a gravata borboleta. Faltavam dois minutes para que fosse obrigado a subir naquele palco demasiadamente iluminado. Tudo estava pronto. Suava de suave que era. Pegou no cabo da arma que estava discretamente acoplada ao seu cinto. Era agora ou nunca. Subiu os degraus que levavam para o palco. Prendeu o cabelo e escondeu debaixo de um chapéu coco. Com um sorriso teatral, passou pelas cortinas cor de carmim. Iniciou seu discurso com a precisão do gume de uma faca amolada. Nem por um segundo tirou o sorriso de escárnio do rosto. Contou em seu relógio. Dois minutos que estava no palco. Hora de ir. “E é por isso, meus caros, que o jogo acabou.” Tirou o chapéu, revelando um cabelo preto comprido e ondulado. Do bolso, tirou um batom vermelho sangue, da mesma cor que iria salpicar suas vítimas, e usou para pintar sua boca voluptuosa. E ainda sem tirar o sorriso do rosto, despiu a calça de linho branco, a blusa igualmente branca, o fraque, e o smoking, revelando, debaixo de todas as roupas masculinas, uma calça preta colada, e uma blusa vermelha. Vermelho de sangue. Sangue que pulsava quente nas suas veias, sangue que pretendia espalhar, sangue que nunca ia estancar. A forma curvilínea do seu corpo ficava melhor adequada áquelas roupas. A calça era preta, preta que nem ela era por dentro, preta que nem a programaram pra ser. E era ela, que estranho não ser ele nunca mais. As roupas moldavam-na, e os olhares aterrorizados, suas gravatas muito apertadas, seus pensamentos e pendores patéticos antes de morrer a faziam rir. Não o fazia para ser um mártir. Nem por um segundo parou de debochar. Beijou o diamante que enfeitava seu anelar da mão esquerda. “Sinto muito. Certo, na verdade não sinto nada.” E com um último olhar de satisfação, atirou. Os tiros não fizeram muito barulho, os gritos foram abafados, o fim foi rápido. E quando o último feneceu, lá se foi. Desceu a escada de incêndio. Não o fez pra não ser esquecida, não o fez pra marcar, fez por que não os aguentava mais. Fez por que ela quis, e fez por que não ligava. Desceu as escadas de incêndio com uma facilidade inesperada. Esse azedume amargo, essas lágrimas sofridas. Que lágrimas? Estava mais que satisfeita, e não se arrependia. Fez o que quis. Entrou no carro depressa. Eu vou estar fora daqui antes do que vocês pensam, pensou. Fechou a porta e entrou na auto estrada pra nunca mais voltar. Bebeu um gole demorado de vodka pra matar as doenças que viviam dentro dela, vodka forte e amargo que nem ela, e só então afrouxou a gravata borboleta.
Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi
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