Contava os segundos. Um, dois, três, quatro. Passavam e escorriam de seu relógio de pulso para seu pulso nu. Escorriam para o chão, sem direção e sem ter pra onde ir, de qualquer forma. Olhava com um rosto controverso para o rio lá embaixo. Algumas gotas pingavam incessantemente na água, tornando-a inquieta. Inquieta de uma forma que ele entendia, que todos entendiam. Revolta, pronta pra uma rebelião de proporções endemicas, mas no segundo seguinte, conformada com seu destino certo e previsível, e voltando ao comodismo enervante que era sua vida diária. Essa superfície límpida que era a água funcionava do mesmo modo que seu emocional. Sempre estava irrequieto por dentro, contrariado e contradito, impactante e estável, morto e vivo, por dentro e por fora, por fora e por dentro. Sempre sendo ele e nunca sendo quem ele queria ser. Pomposo, e estava enlouquecendo. Queria se livrar dessas sombras, desse passado hediondo que ele levava nas memórias e carregava dentro do peito, em um desespero quase mudo na maior parte do tempo. Mudo. Era o que ele tinha se tornado. Do expressionismo jovial que sempre tinha seguido, a esse conformista mudo, cego e surdo. E em tal hedonismo ardoroso, e narcisismo estrondoso, se perdeu. E se perdeu pra nunca mais voltar. Entristecia com tal perspectiva. Enegrecia por dentro, e nada bom podia vir de tão vil cor, não é mesmo? Sua combinação interna era preta e cinza, cinza e preta. De maneira implacável a dor e o desespero inundavam-no. Estava tudo tão perdido, tudo tão embaçado, um futuro tão triste, uma vontade tão estúpida, uma vilania tão perversa. Jogou-se e juntou-se as gotas.
Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi
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