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O Saberes

tiveram dias que fui ausência.
já fui desespero.
já fui dor, pura e simples, destilada e amornada pelo calor dos dias.
fui lágrima, também.
nesses dias nos quais não sei bem identificar todos os sentimentos que me perpassam incessantemente, tento relembrar todas as coisas que já fui e que ainda posso ser.
mas, no âmago de mim, bem lá no fundo, não sei mais como fui e nem como posso ser.
nesses dias esquisitos, que flutuo em sentimentos abstratos e ligeiramente absurdos, não sei ser.
sei que me inundo de dor, de desespero, e nem sei por quê. tem um sentimento esquisito que não sei bem explicar, que algumas vezes fica dormente dentro de mim e eu finjo que não existe que eu não sei onde está que não sei o que é e que não me atormenta.
eu tenho mania de fingir que não me atormenta, mas está sempre lá.
sempre esperando pra me engolir de novo, sempre espreitando pra plantar dúvidas infundadas nessa cabecinha cansada cheia de caraminholas. 
por que apesar de tudo, eu sempre estou dentro de mim.
eu sempre estou ali, e é impossível fugir de mim, por mais que eu tente. eu sempre estou ali, atormentada por fantasmas de mim e criados por mim. 
e eu não sei.
as dúvidas me corroem por que o não saber é eterno, e eu sei que as únicas certezas de mim é que não sei de nada e que isso está sempre aqui. 
me comprime o peito, me atormenta a alma, me enche o pulmão de água salgada enquanto tento respirar e voltar à superfície de mim, à calmaria dos dias, à beira da praia do mar revolto que sou. 
mas isso não existe. não existe voltar a superfície de mim por que só eu sei como foi difícil nadar todos os dias e continuar nadando até aqui.
só eu sei como as profundidades infinitas de mim doem e me machucam mas também são necessárias pra ser eu. 
sei do dia que ralei meu joelho nadando aqui dentro, numa pedra pontiaguda que não mais está lá.
também sei do dia que a ausência foi poesia, e que a ausência foi dor, e que a ausência foi desespero profundo pra não me afundar, por que nadar é uma coisa, mas se afogar é outra.
sei o quanto meu sangue jorrou, quantas partes de mim não doem essa dor imensa de ser essa grande bagunça de oceano cheio de petróleo derramado.
sei também que posso ser calma.
uma calma que eu nem sei de onde vem, nem pra onde vai.
sei que posso ser doçura. mas doçura de torta de limão, provavelmente não poderia ser doçura de bolo de chocolate.
nos momentos mais angustiantes, não sei de nenhuma dessas coisas e me perco em mim.
contraditória, sempre.
houveram dias dessa bagunça de mim que sequer gostaria que tivessem existido, e nesses dias meu desejo é sumir. sumir, evaporar, não estar.
sei que quando sou lágrima sou também avalanche. 
sei que quando sou dor sou também sou lágrima, e portanto, também avalanche.
nesse momento, enquanto estou escrevendo tudo isso pra mim mesma sou todas essas coisas e muitas outras mais.
também sei as coisas que queria ser e o medo de não sê-las me assola e me prende e me sufoca de maneiras que não sei explicar.
sei as coisas que dizem que sou, mas não sei se acredito nelas. 
sou capaz, de num arroubo da mais insana tarde, de ser feliz com quase nada, por mais que pareça impossível num interior tão atormentado.
posso ser feliz com uma garrafa de vinho no pôr do sol, numa tarde de domingo na praia, aninhada nos braços de quem amo, embarcando rumo ao quase desconhecido em um avião.
posso ser feliz enquanto sou triste, posso achar felicidades escondidas e clandestinas em coisas do dia a dia.
sempre me ecoa na cabeça o dia que minha avó me disse que hoje sou triste.
que eu não era triste, mas me tornei triste. que eu deixei o peso dos anos difíceis se acumular nas minhas costas e fui envergando com o peso das coisas que deixei pesar, com o peso no pé da barriga que me acostumei a carregar e com o cansaço que acumulo durante os dias.
talvez ela tenha razão.
mas talvez não.
eu não sei eu não sei eu não sei
sei que apesar de tudo isso, fui capaz de encontrar amor em mim. e lá fora. sei que às vezes é difícil me amar. sei que nem eu sei me amar algumas vezes. mas eu amo, e eu sigo e a vida aperta, e eu aperto e eu choro e eu me desespero mas tenho coragem e eu tenho força e eu tenho gana e eu sei que sou capaz apesar de não saber de nada e sigo vivendo. 

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