Pular para o conteúdo principal

Te quero tanto


“Tanto, é tanto, se ao menos você soubesse. Te quero tanto”

Tap. Tum. Tap. Tum. Tap. Tum. Tum. Tum. Tap. Tap. Tum. Tum. Tum. Em um ato desesperado, corria. Não queria mostrar fraqueza. Era demais. Continuou batendo os sapatos pretos da escola no chão cimentado do pátio. Provavelmente essa correria seria captada pelas câmeras. Foda-se. Continuou deixando o coração bater. Tum. Tap. Tum. Tap. Incoerentemente, correu até a porta branca da sala que deixou cinco minutos antes. Seria pego. O jogo estaria acabado. Foda-se. Não tirava da cabeça. Sorria. Não queria sorrir. Não queria ser pego. Não queria esquecer. Correr tirava tudo momentaneamente da sua cabeça. Não sentia mais as pernas. Foi para outra porta branca fechada. Era a porta dela. Inconscientemente andara até lá. Via o cabelo dela. A cabeça suavemente recostada na carteira. Estava dormindo. Aula de Química. Ligações covalentes. Estavam estudando ligações covalentes. Menos ela. Estava dormindo. Dormir. Era só o que ele tinha feito atualmente. Ela também. Tocou o sinal. Acabou a aula da qual ele fugiu. Aula de física. Correu escadas acima. Ia assistir aula de história. Gostava da aula de história. Deu uma última olhadela nela. Continuava imersa em sonhos.
Subitamente, levantou a cabeça e coçou os olhos. A aula de química tinha acabado, e provavelmente o toque a havia perturbado. Seu cabelo estava bagunçado, sua mesa vazia, sua maquiagem borrada. Mas ela estava linda. Linda como nunca. Não dava pra vê-lo ali, por causa da película aplicada no vidro da porta. Falou com alguém e sorriu. Sorrir. Tinha medo de que nunca mais fosse vê-la sorrir. Ela olhou para a porta significativamente. Não dava pra vê-lo, mas ela sentia seu perfume. Invadia suas narinas com a violência de um corte profundo. Tinha um corte. Que ele deixara. Um corte. Estava ali, pulsando. Sangrando. Não tinha como contê-lo. Ela queria estancar. Queria parar. Não conseguia. Doía. Como todos os cortes faziam. Ele, há essa hora, estava na sala, assistindo à aula de história, bastante concentrado. Ela levanta-se e vai até a porta. Corredor vazio. Um forte cheiro do perfume dele indica sua recente presença ali. Ela gostava de pensar que fora por sua causa. Não sabia. Fechou a porta atrás de si, e foi ao bebedouro. Voltou à sala. A próxima aula seria de português. Ótimo. Iria dormir um pouco mais. Recostou a cabeça na carteira e deixou-se levar, carregada por sonhos e embebida em esperanças.
Ele estava um pouco perturbado. Não queria ter que dizer o que tinha que dizer. Não hoje. Não nunca. Não estava preparado. Desconfiava que ela também não. Os ponteiros do relógio corriam. Ou talvez se arrastassem. Era difícil dizer. Ele queria que o intervalo chegasse, mas temia a hora que teria que falar, finalmente, o que precisava ser dito. Não era exatamente o que podia se chamar de decidido. Ou seguro. Ou muitas coisas requeridas para dizer o que tinha que ser dito. Sentiu enjôo. Sentiu algo queimando na boca do estômago. Não era amor.
Ela descia as escadas, pulando os degraus de dois em dois. Parou na frente da sala dele. Olhou-o por demorados minutos, até que o inspetor expulsou-a de lá e ela foi obrigada a caminhar até o pátio cinzento do primeiro andar. Comeu mecanicamente. Não estava realmente uma personificação da felicidade. Não precisava de um homem. Mas foda-se, ela queria. Estava tentando ser otimista. Sorria roboticamente. Sentia que algo ruim estava por vir. Não dormia faziam três noites. Não era sua culpa. O intervalo acabou. Subiu para a sala. Queria ele. De novo. Iria reconquistá-lo. Ou simplesmente ia chorar no travesseiro, do mesmo modo que fez nas três noites anteriores.
Ele fê-lo no dia seguinte. O travesseiro dela tornou-se seu melhor amigo. Ela queria tanto. Ele queria tanto querer também.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Acha Que A Sua Indiferença Vai Acabar Comigo?

Eu sobrevivo, eu sobrevivo! Polônia. Tempos difíceis, todas as pessoas consideradas indesejadas estavam indo embora para terras quentes, infestadas com o odor da novidade, do fervor da fuga. A saída sorrateira do país desencontrava amores, despistava amantes. Numa casa, não muito longe do centro de Varsóvia, uma mulher suspirava. Lia e relia a única carta do amado, com o perfume quase se esvaindo do papel, letras borradas das lágrimas que ambos derramaram naquele frágil pedaço de papel, cheio de promessas e saudades. Rosa, tão bela Rosa. Tive que partir, e você sabe minhas motivações. Deixo-lhe com um aperto no peito, beijos em tuas mãos e com dissabores na vida. Prometo-lhe notícias, em breve, da carta que precisas para deixar o país, e vir, finalmente, me encontrar. Ansiosamente, aguardo-te e sonho contigo todas as noites. Porém, a vida nos trópicos está me fazendo bem. Quase não se vê sinal das minhas tosses. Estou empregado, trabalhando na fábrica de alumínio. Moro com mais doi

Status: Sendo Seguida Por Um Monte de Corvos

Estava sentada, exatamente as 2:14 da manhã, na frente do seu laptop, esperando um filme que, de forma geral, parecia pouco promissor no quesito crescimento intelectual. Estava se sentindo absolutamente impotente. Aquela mina que chamou pra tomar café ainda não respondera o convite, embora o tivesse feito a um tempo considerável. O filme se recusava a carregar de maneira que pudesse mergulhar no torpor de uma comédia que não requeria que ela se concentrasse e nem que colocasse muito esforço mental nela. O twitter não tinha atualizações, assim como o instagram, o facebook, o whatsapp, a vida. Tudo parecia estático, morto, vivo-morto. Se deu conta que há tempos não escrevia mais do que 140 caracteres. Nada de excepcional e digno de nota aconteceu nas últimas semanas. Alguns conhecidos embarcaram em relacionamentos, outros tantos viajaram, alguns se mudaram... Mas ela permanecia. Sentada na frente do computador, esperando que a máquina, de alguma maneira, cuspisse respostas sobre o estad

Tea Party

(Não ligo se Alice In Wonderland virou modinha, foda-se. Era um dos meus desenhos favoritos de infância, e vai continuar sendo u_u) “Welcome to my tea party” Acordara pela manhã, com os olhos semicerrados, percorreu o extenso corredor de sua casa. Lavou o rosto, penteou os loiros cabelos, passou rímel, blush, batom, pintou as unhas de um azul turquesa, e saiu com um roupão igualmente turquesa, mas com desenhos de carpas, andando majestosamente pelos corredores. Tão logo chegou de novo ao seu quarto, despiu o roupão e vestiu suas roupas intimas, suas três saias, sua blusa, suas meias listradas e um lustroso par de sapatos pretos. Prendeu o cabelo em um elaborado coque, o qual parecia displicente e majestoso ao mesmo tempo. Satisfeita com o resultado, foi para seu florido jardim, e por lá, encontrou suas cadeiras e mesa arrumadas para receber os convidados. Ajeitou a sua saia de cor creme, e colocou o avental rosa bebê. Farta de esperar, adentrou a casa batendo os sapatos no assoalho, de