The truth is
I am a toy
That people enjoy
'Till all of the tricks
Don't work anymore
Eu nunca me permito. Eu nunca me deixo levar. Minhas emoções são sempre muito calculadas, muito limitadas ao espaço amostral de não me deixar machucar. Eu já me machuquei tanto, principalmente no amor. Eu me machuquei tanto, mas tanto, que criei uma espécie de elasticidade que me previne de me afogar em tristeza quando minhas expectativas amorosas não são correspondidas. Uma cama elástica no meu coração, que faz com que eu pule pra fora da tristeza, com que eu consiga rir das minhas constantes desventuras sem perder por completo minha vontade de tentar de novo.
As pessoas que me conhecem a muito tempo, ou muito bem, podem argumentar que eu sempre me deixo levar por um sorriso diferente, por uma possível palavra chave que eu possa interpretar como paquera. É verdade que eu coleciono um infindável número de paixonites e sou dona de um coração deveras mole, mas isso não quer dizer que eu me deixe levar. Não quer dizer que eu me abra sempre completamente para a experiência de me deixar absorver pelos sentimentos que eu fico lutando dentro de mim pra não ter. De fato, por sempre colecionar paixonites, adquiri uma pele grossa e um coração elástico (apesar de burro).
Acho, também, que isso advém da minha convicção extrema de que é muito difícil realmente ser amada. Acabo sempre me contentando com migalhas de amor, ou do que eu penso ser amor.
Estando em um país novo, resolvi tentar me livrar dessa pele grossa, grosseiramente costurada sob minha real pele. Resolvi tentar ser menos cética, e dar uma chance pras pessoas entrarem. De início, essa abertura me permitiu conhecer e me aproximar de pessoas que eu jamais achei ser possível.
Me permitiu uma aventura um tanto desventurada logo na minha primeira semana, a qual me permiti um breve luto de uma semana.
Quase quatro meses depois dessa aventura, em uma plataforma de trem intermunicipal, lá estava você. Confusa, tentando pegar um trem, coincidentemente pra mesma cidade (das inúmeras cidades que você poderia estar indo) que eu.
Te achei bonita, e secretamente esperei que você conseguisse pegar o trem. E você conseguiu. Fomos conversando durante todo o trajeto, e descobri que você era francesa, morava em Berlim, se formou em dança, tinha um sorriso doce, e uma risada mais doce ainda.
Quando nossos caminhos se descruzaram, você me deixou seu email (por não ter nenhum outro meio de comunicação moderno), com a promessa que poderíamos descobrir a cidade queer juntas.
Ao chegar em meu destino, conversei com um amigo sobre, e ele me encorajou a escrever um email.
Escrevi, e esperei nervosamente por quase três dias por uma resposta. Ela veio em um momento inesperado, e me inundou de alegria. Por uma semana, trocamos emails sobre o que acontecia nas nossas vidas (tão distantes, e tão próximas), até que na sexta, você me manda um email perguntando se pode ficar na minha casa em Tel Aviv. Prontamente aceito, e, aos trancos e barrancos, você chega na minha casa, com todos os bônus que uma paixonite poderia chegar: minhas palmas suadas, o estômago revirado e os sorrisos bobos que eu me pegava dando pra mim mesma antes de tentar endurecer o semblante (assim como tentava endurecer o coração).
Quase viramos a madrugada falando de mim, de você, das nossas vidas e das nossas pequenas loucuras absurdas que eu nem tenho coragem de repetir, e que também não tenho certeza de por que dividi com uma quase completa estranha.
No dia seguinte, concordamos com um piquenique, regado a vinho e confissões, que findou em beijos e afagos no entardecer, iluminadas por uma igreja acesa perto das nossas cabeças. Minha roomate cedeu o quarto pra gente, e dormimos juntas.
A semana discorreu, e nos aproximamos, nos acariciamos, aprendemos sobre os medos, paixões, momentos e particularidades uma da outra. Deixei você crescer em mim e fazer tímidas raízes.
No meu aniversário, você saiu pra comprar coisas pra fazer brunch pra mim. Você fez muitas refeições pra mim. Sempre sentávamos juntas, e você sempre me pedia pra guardar o celular enquanto comíamos. Você não usava muito o celular.
Fomos a parques, pizzarias, cafés, bares, portos, e até a um quarto de hostel privativo, no meio da noite, uma escapada maluca, mas que pareceu completamente correta.
No dia que te levei pro meu bar favorito, você conheceu uma menina israelense. E me disse que não tinha nada com o que eu me preocupar, provavelmente por causa do meu visível desconforto.
Eu não me senti preocupada, e depois do hostel, fomos tomar café da manhã pós noite mal dormida, e fomos pra um parque descansar a cabeça antes de eu te deixar em outra estação de trem pra sua próxima aventura.
Os dias que você estava distante passaram, com mensagens diárias de atualização das nossas coisas diárias, e nossas mensagens passaram a ser assinada com "yours, c" e "yours, b", as vezes seguidas ou precedidas de uma manifestação de saudade, tudo isso em uma mistura boba de todas as línguas que falávamos (você, francês, alemão, espanhol e inglês; eu, inglês, português, espanhol e um pouco de hebraico).
No ano novo, você me ligou logo depois da virada pra me dizer que me amava. E eu disse de volta.
Aqui eu faço uma parada na nossa história pra dizer que eu comecei a pensar no fim iminente. Você voltaria pra Berlim, eu ficaria aqui em Israel, depois talvez eu voltasse pro Brasil. Comecei a pensar em relacionamento a distância. Eu, que sempre achei relacionamento a distância a maior bobagem. Eu, que sempre achei me entregar desse jeito, a maior bobagem. E fazia tanto tempo que eu não me entregava desse jeito. Fazia tanto tempo que eu não sabia sentir, que eu não sabia como era ser isso. Eu me sentia mais leve, e me senti mais leve ainda quando você disse que me amava.
Dois dias depois do ano novo, você voltou pra Tel Aviv. Quando você chegou aqui, eu senti como se fosse natal. E você também, por que foi a primeira coisa que você me falou. Falou que não sabia o quanto de saudade tinha sentido até me ver.
No dia seguinte, fui trabalhar. Nos encontramos pra almoçar, e pela primeira vez, você estourou minha bolha e começou a falar sobre quando você voltasse pra Berlim, isso ia acabar. Não era melhor acabar antes que alguém acabasse machucado?
Eu já ia estar machucada de qualquer forma, e isso me atingiu no peito mais forte do que eu achei que seria possível. Eu falei que não queria pensar em Berlim, que preferia aproveitar o momento, e que gostava de estar com você. Você reciprocou, e nos beijamos. Concordou comigo que pensaríamos em Berlim quando Berlim chegasse. E que também gostava de estar comigo.
Andamos juntas até minha reunião, você voltou na minha casa e pegou seu cartão. Nos encontramos depois e você estava totalmente distante.
O que houve?
Eu preciso de um tempo. Talvez eu devesse explorar outras coisas além de você nesse país. Talvez eu deva explorar outros lugares, talvez eu deva sair da sua casa, talvez isso tenha que acabar.
Talvez você estivesse correta, mas me limitei a dizer que não queria pressionar, que fizesse o que achasse melhor, mas que estava aproveitando esse tempo juntas.
Você voltou atrás, e me trouxe sorvete. Ficamos juntas durante a noite, e nos agradecemos por existir. Disse que precisava desse tempo pra pensar, mas que agora estava tudo bem.
No dia seguinte, você saiu da minha casa. Foi pra um Air Bnb no norte da cidade, e de despedida me deu um selinho. Na noite anterior, você me avisou que ia sair com a israelense do bar, e eu aceitei mudamente.
Me convidou pra um café caso eu estivesse disponível a tarde. Apesar de estar, declinei.
Se despediu de mim e de todos dizendo que me veria no meu bat mitzvah. De mim, também.
Você, de fato, veio ao meu bat mitzvah. Quatro horas atrasada. Por que estava com outra mulher. E teve a audácia de dizer que foi por isso.
Sabe, eu não entendi minhas emoções quando você me disse isso. Eu fiquei com raiva. Eu preferi que você tivesse mentido. Eu preferi muitas coisas. Eu tive raiva pela sua audácia de tentar estragar o meu dia. Eu tive raiva por que você apareceu ali como se nada tivesse acontecido. Eu gritei de raiva, e pela primeira vez, não deixei você nem outra pessoa passar por cima de mim. E você foi embora, com a promessa de uma conversa na qual eu estivesse menos possessa.
Essa conversa nunca aconteceu. Passei de raivosa pra melancólica. Senti como se você tivesse me dado um soco no peito, e com esse soco tivesse arrancado meu coração.
Essa carta aberta é só um jeito de contar que, sim, eu me senti descartável. Sim, eu me senti como se não importasse pra você, como se fosse substituível, como se fosse algo que você podia usar e abusar, mas que não tive real valor.
Você me tirou do meu centro. Do meu eixo. Me fez sentir, pela primeira vez, em muito tempo, que eu poderia ser amada. Que eu merecia ser amada.
Mas você me tirou isso logo depois.
Eu não me arrependo em nada dessa nossa história digna de filme, mas eu me arrependo de não ter conversado com você depois. Eu me arrependo por ter deixado minha raiva me vencer.
Eu acho que isso tudo foi como deveria ser, e, ao menos, eu não vou ficar lamentando sua partida pra Berlim.
Talvez eu fique algum tempo lambendo as minhas feridas desse romance totalmente absurdo, e talvez eu fique lembrando de você quando passar pelos lugares que passamos juntas. Talvez eu perca uma aula ou duas absorta em pensamentos sobre você, sobre seu cheiro, e sobre seu jeito particular de enxergar o mundo (que por muitas vezes me enfuriava). Eu não estou cega pela raiva.
Eu estou triste. Eu estou triste, não por ter me deixado sentir, mas triste por permitir que você seja um buraco na minha vida. Triste por permitir que eu sinta sua falta. Triste por te perceber e recordar.
Eu não acho que eu deveria te perceber e recordar.
Mas meu achismo não tem vez no meu coração.
Sinto muito pela forma como isso acabou, sinto muito por tudo isso ter sido assim. Sinto muito por sentir muito.
Espero que nas suas próximas aventuras amorosas, você só diga que ama quando realmente amar. Espero que num futuro próximo, eu não esteja sentindo nada com relação a você, que eu não esteja me sentindo ferida, e que eu nem queira mais falar com você ou sobre você.
Espero que num futuro próximo, você seja só passado.
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