Pular para o conteúdo principal

Sertão D'alma (finalmente) Vira Mar

Caminhando lentamente para a praia com cabeça inquieta. O sol surgia nela, com um calor ameno que esquentava as bochechas. A garganta doía dos vários maços de cigarro fumados durante a noite sem fim, mas ela prosseguia baforando a fumaça fedorenta de um cigarro vagabundo.
Chegaram no mar-encontro-do-rio. Vestida, testou a água rasa. As ondas pareciam um desenho impressionista impresso num folhetim que ela tinha certeza que já tinha visto. Foi entrando mais fundo. Água até o joelho, voltou para areia.
Tirou o short, deixou a canga e o celular juntos e voltou pro mar. O frio da água não mais fazia diferença, o vento meio gelado cheio de areia ressoava no ouvido dela, fazendo com que fosse impossível de se escutar a música da caixinha de som que seus amigos trouxeram. Meio na água, meio no ar, parou. Tirou os óculos escuros e apoiou no topo da cabeça, e com esse gesto, como quem não quer nada, seu corpo se preencheu de sofrimento. Lágrimas grossas rolaram e soluços escaparam de si.
Sem perceber, estava se dissolvendo em mar.
Seu choro era salgado e era onda.
Sua onda era choro e seu choro era onda de mar.
O mar levava tristeza. O mar levava-a, levitava, misturava, sentia mar.
Era, por fim, água completa.
Era água gelada infinda.
Atravessou o mar-rio-mar em direção ao desconhecido. Caminhou-se na areia fofa com suas recém adquiridas pernas-água, pingando pingos-rastros de si.
Encontrou o mar revolto, quente, pulsante.
Desafiou-se a adentrar. Largou as argolas pesadas e o óculos na areia.
Voltou ao mar. O mar era ela e dentro dela. As ondas batiam e levavam o resto dela: transmutou-se totalmente, Se sentia parte de uma ilustração de Brett Helquist num livro de Lemony Snicket, mas sem as desventuras.
Aquele momento não tinha nada de mal, só de mar.
Ondas quentes de mar e sangue pulsavam nas suas veias e entranhas estranhas e bagunçadas. O mar lambia a terra que era ela.
O primeiro banho de mar levou-a. O primeiro e último e ao mesmo tempo primeiro. Conseguia ouvir apenas vento e iemanjá entoando canções desconhecidas chamando para mais um banho.
Nunca mais deixaria de ser mar.
Uma felicidade intensa se misturava com água e com terra e por um instante nada era errado nada era ruim tudo era mar infindo profundo desconhecido.
Estava pronta para deixar a todos e rumar no mar para o fundo de si.
Ao voltar, já não era mais ela mesma. Era mar e o mar era uma confusão deliciosa dela mesma.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ventura (Parte 1)

“Som de tapa seguido de um longo e sofrido suspiro. Cortinas abrem, Brenda caída no chão.” BRENDA: Do meu pranto, veio a lágrima. Da lágrima, verteu o sofrer. Qual diferente sina me aguarda? Hei de contar-lhes minha história, hei de vencer o porvir. O futuro, tão incerto, mas quem sabe menos sofrido que o presente viver. “Brenda sai, entra Artur” ARTUR: Que fúnebre entardecer. O objeto que me desperta fúria é o mesmo que me desperta o amor. Que hei de fazer? Pobre de mim, que amo, mas não sei fazê-lo. “Anda até a cama, onde encontra uma camisola antiga de Brenda. Pega a camisola e a abraça” ARTUR: Minha amada! Que saudades guardo de ti, no meu pequeno coração. Pobre de mim, pobre de ti. “Sai Artur, deixando a camisola em cima da penteadeira. Entra Helô” HELÔ: Sempre há o que se arrumar! Só discutem, sempre há um pormenor! Vinte anos vivendo sob os mesmos fantasmas. Tenha piedade, Deus. “Helô dobra a camisola e deposita em cima do travesseiro. Sai Helô. Entram Tomás e Bia” TOMÁS: Vossa...

Espero nunca te perder

Flashes. Todos disparavam na minha cara, como lanternas ofuscantes. Tudo que eu queria era um banho, quente, de banheira. Isso seria possível se os paparazzis me deixassem em paz. Paz. Estava aí uma coisa que eu precisava. Nada melhor do que o anonimato. Por que todo mundo quer ser famoso, afinal? Eu fiquei famosa, mas perdi tudo que me importava de verdade. Meus amigos, familiares, e principalmente você. Os perdi indefinidamente, e infelizmente não sabia como voltar. Aos teus abraços, aos teus beijos e ao teu carinho. Nada disso valia. Eu jogaria tudo pro alto por um simples aceno teu. Mas agora não conseguia falar contigo. E não querias falar comigo. Não depois do modo como eu o humilhei. Indiretamente, mas humilhei. Aqueles rumores jamais deveriam ter ido parar nas revistas. Estúpido concurso. Se eu não tivesse me inscrito nele, jamais teria me separado de ti. Confesso que viver sobre os holofotes não me apetece mais. Nada me apetece mais sem você. Aquele concurso de escrita foi min...

Agora Você Nem Me Nota

Depois de uma conturbada manhã no sofá, duas horas de aula nas férias, e muito resmungar, resolvi que estava na hora de ir pra casa de Flora. Antes do escurecer, consegui chegar. Depois de brincar com a Caty Perry (nome criativo pra uma gata mascarada), ficar no pottermore, comer mousse de maracujá (no caso eu, por que sou uma gorda e me orgulho), e atormentar a vida da Caty com o espirrador de água, fomos intimadas a nos arrumar com rapidez, por que a mãe de Flora estava chegando. Corremos, nos vestimos, e fomos capazes de nos arrumar em tempo. Ao chegar no bar (que por acaso se chamava Eletro Cana Rock), encontramos poucos conhecidos. A medida que as pessoas iam chegando, o barulho ia aumentando e mais gente conhecida aparecia (inclusive a banda que ia tocar). Margot e Flora estavam com fome, e eu, bem, eu estou sempre com fome. Fomos em um barzinho suspeito (depois de um interrogatório dirigido a Iuri sobre como ele conseguiu água), que tinha uma estante cheia de cachaça barata, coc...