Foi estuprada. E estava tão perdida, tão sozinha. Não sabia como seguir. Correu pra o hospital mais próximo, mas este quis violentá-la mais uma vez. Quis abrir suas pernas e coletar amostras. Não queria mais ninguém entre suas pernas. Não queria conversar, queria se esconder, queria ficar dentro de si pra sempre. Sentia dor, mas esta ia além da física. Sentia a força com que ele segurara seus braços. Sentia a força com que ele penetrara, sem amor, com vontade. Lembrava da mão sob sua boca, tapando-a. Lembrava de cada gesto detalhadamente, com horror. Horror de continuar vivendo, disso poder estar acontecendo de novo. Sentia nojo de si, nojo dele, nojo. Ojeriza. Sentia até o sangue sendo bombeado freneticamente pra fora do seu coração, como se quisesse ficar vazia e cheia ao mesmo tempo. Como se corresse contra o tempo. Não havia mais lugar seguro, agora. Sentia medo. De voltar pra casa, e encarar a todos, fingindo estar tudo bem. Não estava tudo bem. Não podia guardar esse segredo, mas fora ensinada que a culpa foi dela. Que usar decote, blusa curta e mini-saia automaticamente eximia o estuprador de tudo. Afinal, ela provocou. Ela, no auge dos seus 13 anos, provocou um homem? Ela, sem seios proeminentes, bunda quase reta, puberdade atrasada, tivera a capacidade de provocar um adulto? Um adulto que sabia o que estava fazendo. Não só sabia o que estava fazendo, mas era legitimado pela sociedade. Que tenta encobrir, que tenta esconder. Ela, coitada, aflita por dentro e por fora, não tinha muito o que fazer. Resolveu dirigir-se até a delegacia mais próxima, reportar esse caso para as autoridades, na esperança de que, algum dia, pudesse ter mais esperança de novo. Lá chegando, por ter 13 anos, ser mulher, criança e não ter provas, não foi levada a sério. Era isso. Não tinha mais aonde ir, a não ser se retirar daquela delegacia onde todos riam dela. Voltou, pé ante pé, para casa. Voltou, e como esperado, a porta lhe foi aberta. Sua mãe lhe acolheu, mas não lhe acreditou quando denunciou o homem que a estava violentando. E ali, sentado perto da lareira, com um sorriso surpreendentemente malicioso, estava ele. Seu algoz. Seu padrasto.
“Som de tapa seguido de um longo e sofrido suspiro. Cortinas abrem, Brenda caída no chão.” BRENDA: Do meu pranto, veio a lágrima. Da lágrima, verteu o sofrer. Qual diferente sina me aguarda? Hei de contar-lhes minha história, hei de vencer o porvir. O futuro, tão incerto, mas quem sabe menos sofrido que o presente viver. “Brenda sai, entra Artur” ARTUR: Que fúnebre entardecer. O objeto que me desperta fúria é o mesmo que me desperta o amor. Que hei de fazer? Pobre de mim, que amo, mas não sei fazê-lo. “Anda até a cama, onde encontra uma camisola antiga de Brenda. Pega a camisola e a abraça” ARTUR: Minha amada! Que saudades guardo de ti, no meu pequeno coração. Pobre de mim, pobre de ti. “Sai Artur, deixando a camisola em cima da penteadeira. Entra Helô” HELÔ: Sempre há o que se arrumar! Só discutem, sempre há um pormenor! Vinte anos vivendo sob os mesmos fantasmas. Tenha piedade, Deus. “Helô dobra a camisola e deposita em cima do travesseiro. Sai Helô. Entram Tomás e Bia” TOMÁS: Vossa...
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